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Opinião de um Psiquiatra sobre o acontecimento em Janaúba:
Baseio-me, nesse estudo, em dados colhidos da mídia. Segundo essa, em 2014 o vigia já fora diagnosticado como tendo um “transtorno delirante”. Talvez por algum ato perigoso, o Ministério Público o encaminhou para uma psicóloga. Ao nosso ver, um órgão tão preparado e tão bem-remunerado como esse deveria saber que o caso requeria, na verdade, uma avaliação, eventual hospitalização médico-psiquiátrica, sobretudo tendo-se em vista eventuais graves intercorrências médico-legais. A psicóloga o teria encaminhado para um psiquiatra, mas o poder público, segundo os dados, mais uma vez, não o encaminhou, talvez até porque, se fosse necessária uma hospitalização psiquiátrica, o Governo , com suas políticas anti-hospitalares, anti-psiquiátricas, anti-empresariais, tratou de “acabar” com os poucos leitos existentes. O Governo, sobretudo na era ▒▒▒ ( mas desde ▓▓▓) tentou “regular” a assistência psiquiátrica no Brasil, mas, paradoxalmente, a partir de uma visão “anti-psiquiátrica” (“não aos médicos psiquiatras”, “não aos hospitais psiquiátricos”).
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O “transtorno delirante” é uma doença complexa, com múltiplos fatores envolvidos. Num paciente já de meia-idade, como o vigia, fatores muito comuns nessa condição psiquiátrica é a presença de depressão ou algum outro transtorno grave do humor, p.ex., doença bipolar. Pacientes depressivos, ou hipomaníacos/maníacos, ou em “estado misto” (que é uma mistura de exaltação instintiva com humor negativo), podem a ter delírios, em alguns casos, delírios que passam desapercebidos a uma pessoa que não tem uma sólida formação médico-psiquiátrica:
- o paciente pode mostrar um quadro chamado “reticência patológica”, na qual ele sabe muito bem “esconder” sua atividade delirante, sabe “encapsulá-la”.
- pode ter rompantes querelantes (querelância = brigas, “criação de casos”, “pegar no pé”, “criar confusão”, “vou processar”, “me pagam !!”), sobretudo quando há conteúdos mentais persecutórios, como foi o caso do vigia (segundo dados).
- pode ter sentimentos reivindicativos, vindicativos, sentir-se magoado por outrem, querer vingança, querer ser “ressarcido”, “justiçado”.
- o sentimento de “estar sendo preterido, injustiçado, manipulado, passado para trás, vítima de ti-ti-ti, vítima de comentários maldosos e por-trás-das-costas”, que em psiquiatria chama-se delírio de referência.
- sentimentos de irritabilidade aumentada, agressividade aumentada, impulsividade aumentada.
- em outros casos, pode desenvolver um delírio chamado de “erotomaníaco”, quando desenvolve delírios passionais de que o estão “cantando”, fazendo “propostas”, “dando bola”, ou então passam a assediar ou perseguir seus pretensos e delirantes objetos de amor.
Tais indivíduos delirantes não são "esquizofrêncos", ou seja, muitos têm uma capacidade cognitiva suficiente para planejar e protelar seus atos, configurando o que os psiquiatras franceses denominavam "folie raisonnante" ("loucura raciocinada").
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Tal indivíduo, então, com depressão e delirante, é altamente perigoso, pois a depressão o leva a “desistir da vida”, “não ver sentido em nada”, “querer destruir tudo”, “não acreditar em Deus”, ao mesmo tempo em que o delírio lhe fornece o material existencial para efetuar a combustão (“eles não gostam de mim”, “me perseguem”, “foram eles que acabaram comigo” etc.). Um indivíduo nessas condições pode cometer qualquer ato médico-legal grave, pois julga que, naquele momento, está numa “cruzada auto-vindicativa”, está “fazendo justiça”. Nessas condições, são muito comuns os “suicídios/homicídios delirantes”, condição na qual o paciente dirige sua disforia (irritabilidade patológica) tanto para si quanto para outrem, auto e heteroagressividade.
Estas condições delirantes são descritas na psiquiatria, desde Dide-Guiraud, como “psicoses passionais”, e são altamente perigosas, requerendo hospitalização psiquiátrica imediata ou controle ambulatorial (extra-hospitalar) super-estrito (não é preciso nem dizer que, no sistema público brasileiro de saúde, nunca se ouviu falar disso...). As psicoses passionais são tão mais perigosas quanto o paciente “mostra-se normal”, “aparenta-se normal”. Nesses casos muitos irão ver “alguma coisa errada”, mas, por julgarem essa coisa “leve”, encaminham para um psicólogo, achando que é caso “muito leve” para ser mandado para um psiquiatra (geralmente estigmatizado como “médico de loucos”).
As “psicoses passionais” dentro dos transtornos delirantes, infelizmente, não são condições médicas raras, pelo contrário. E, como dito acima, em muitos casos, requerem hospitalização. Como há casos potencialmente graves, irrecuperáveis (felizmente não muito comuns, com diagnóstico e tratamento corretos), em alguns casos, a repetição poder-se-á configurar como definitiva, em respeito à proteção da sociedade, e a evitarem-se tragédias como essa que vimos em Janaúba. Mas, mais uma vez, o Governo interferiu negativamente, anti-psiquiatricamente, abominando e praticamente acabando com os hospitais psiquiátricos judiciais de custódia e tratamento, nomeados pejorativamente de “manicômios judiciários” por todos aqueles anti-médicos que sempre quiseram acabar com eles. A estes últimos deveria ser computada a responsabilidade pelas trágicas mortes das crianças de Janaúba.
Marcelo Caixeta, médico psiquiatra. (marcelofcaixeta@gmail.com)
Talvez o mesmo seja válido para o atirador do Mandalay Bay, Las Vegas.
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